Vestigios da Humanidade

Este blog é um convite a reflexão sobre a humanidade, seus vestigios, numa arquelogia viva que busca encontrar o que resta ainda da raça humana, cada vez mais robotizada, dotada de uma razão instrumental e redundante, não essencial, restrita ao mero papel de espectadora do espetaculo que protagoniza.

segunda-feira, dezembro 28, 2009

Digital Decade(nce)



 
 

Termina a 1a. década do século XXI, terminamos digitalizados e reconciliados através de mecanismos de buscas na rede quase-anônima que nos liga a todos numa só grande familia, a espera de um grande pai e uma mãe universal. Um ditador e uma Terra generosa a todos, ou um pai-legislador e uma Democracia-materna que nos abrigue da própria humanidade que nos assusta mais a cada dia.

Termino a 1a. década deste século sem grandes surpresas. Continuamos aquilo que já se desenhava na década anterior, dito isso por quem há 20 anos mora numa das maiores metrópoles do mundo e aqui presenciou mudanças contínuas e progressivas nas mídias, nas políticas, na economia, na cultura e ficamos ainda iguais ao que éramos 20 anos atrás, embora mais vinculados a outras banalidades feitas mundo afora.

Duvido que sejamos necessários a esse mundo conexo e simplificado, cada vez menos precisa-se saber para se viver e quem diz saber algo sabe que cada vez menos se valoriza aquilo que se dizer saber. Algo é qualquer coisa e não se paga muito por cada coisa que qualquer um sabe fazer, ou apenas dizer. Digitalizamos nossa inessencialidade. Estamos expostos e vulneraveis. Talvez, apenas se tenha exposto o que sempre fomos. Fingimos o que somos por necessidade e fazemos disso um ofício pelo qual somos pagos.

Observo os "adultos" de 30 e 40 anos e vejo crianças crescidas, alguns com filhos outros com pets e alguns com a combinação destes. Um "mundo pet" foi criado para adultos que jogam videogame em casa como se fizessem sexo com a empregada ou com o vizinho, gozam virtualmente o proibido, agora na versão 2.0 com joysticks, mouses e nunchucks. Postergamos a adolescencia e com isso ampliamos a anencefalia social.

Evitamos temas polêmicos, evitamos a política, matematizamos a economia, sofisticamos as regras que nos permitem não pensar mais, evitamos pensar, filosofamos por ato reflexo, por puro atavismo, como se não tivessemos mais o controle sobre nossos pensamentos, agora instrumentalizados por força de anos a fio de escolarização domesticadora de nossas paixões - como se fossem domesticaveis! Somos animais que pensam ocasionalmente, em matilha. Sozinhos, ruminamos pensamentos intestinos.

Pensamos que somos nós a conduzir nossos pensamentos. NON DVCOR DVCO. O mundo digital nos revela pedófilos enrustidos, mentirosos compulsivos no orkut, socialmente banais no facebook e arrogantemente venais no linkedin. Em suma, uma máquina com meia duzia de neuronios nos substituiria facilmente nessas redes sociais. Evitamos comparações com a inteligencia artificial e saimos ao shopping para nos distrair. Nisso ainda somos humanos.

Os encontros sociais me lembram as cenas de Blade Runner, em que androides e humanos se misturam e até se apaixonam entre si, sem se preocupar em fazer distinção entre quem possui DNA humano ou não. Vejo os colegas de infância e de faculdade como um observador desse mundo humanoide em que fui criado. Acreditava que eram humanos. Não são. Não sou. Somos os replicantes que o século XX criou para sua posteridade. Pós-humanos, pos-modernos, pós-religiosos, pós-apocalipticos. Somos talvez a geração mais apática e mais conformada a tudo o que existe. O controle remoto é nosso simbolo fálico. Nosso totem a TV a cabo. Nosso idioma a imbecilidade de nossas especializações. Idiotas diplomados, assisitimos ao aquecimento global como aposentados precoces que deixam para as gerações futuras o seguinte lema: resolvam esse problema e não contem conosco, estamos na colonia de férias . O século XXI é uma imensa colonia de férias planetaria. Ninguém quer ser adulto, nem assumir compromissos além de um encontro causual com a adolescencia tardia ou a velhice antecipada. Com botox na consciencia iremos até os 100 anos facilmente, embora sem a mesma dignidade de Oscar Niemayer. Jamais seremos arquitetos. A arquitetura faz parte da arqueologia do seculo XX.

O Google nos facilita a vida academica, copiamos as teses e republicamos as "nossas" em creative commons. Simulamos alguma inteligencia ao fazer buscas mais sofisticadas que nos permitam acessar codigos-fonte que respondam mais rapido aos nossos comandos particulares no teclado. Customizamos o nosso tempo. Auto-replicamos as nossas vontades para quem quiser nos copiar. Desejamos ser uma cópia bem sucedida, para quem sabe figurar no panteão dos bem sucedidos que possuem algo a ser franqueado. E que os nossos royalties sejam a nossa valia nesse campo pleno de jazidas únicas e profundas de sabedoria e inventividade, o nosso pré-sal, a nossa utopia empreendedora-individualista-hedonista. Somos Larry Page e Sergey Brin. 


Que a próxima década seja menos a nossa imagem e semelhança. Quem sabe, algo de novo nos aconteça e nos impeça de seguirmos aborrecidamente no rumo planejado pelos nossos amados e queridos pais, os quais nos legaram uma humanidade cheia de boas intenções e imune a quaisquer possibilidades de fracasso. Enfim, só nos resta a falencia coletiva e a inevitavel tarefa de sermos adultos, enfim!


Ao leitor digital e anonimo, desejo uma feliz 2a. decada no Admiravel Mundo Novo .

segunda-feira, dezembro 14, 2009

Digita-locus-filo-safogoria

Digita-locus-filo-safogoria

Digita-locus-filo-safogoria

Digita-locus-filo-safogoria

Digita-locus-filo-safogoria  

Digita-locus-filo-safogoria  
 
"O mundo é tudo o que ocorre."

"O objeto é simples."

"A realidade inteira é o mundo."

"A filosofia não é teoria mas atividade."

"O que pode ser mostrado não pode ser dito."

"Tôdas as proposições da lógica dizem, porém, o mesmo; a saber, nada."

"A lógica deve cuidar de si mesma."

"Os limites de minha linguagem denotam os limites de meu mundo."

"Que o mundo é o meu mundo, isto se mostra porque os limites da linguagem (da linguagem que
somente eu compreendo) denotam os limites de meu mundo."

"O mundo e a vida são um só."

"O sujeito não pertence ao mundo mas é limite do mundo."

"Tudo o que vemos poderia ser diferente."

"O mundo independe de minha vontade."

"O que é místico não é como o mundo é mas que êle seja."

"Observa-se a solução dos problemas da vida no desaparecimento dêsses problemas."

"O que não se pode falar, deve-se calar."

TRACTATUS LOGICO-PHILOSOPHICUS
L. W.
Viena, 1918

"Não quero julgar até onde meus esforços coincidem com os de outros filósofos. Por certo o que escrevi não pretende ser original no pormenor; por isso não dou fonte alguma, pôsto que me é indiferente se o que pensei já foi pensado por alguém antes de mim."

quarta-feira, novembro 25, 2009

Digitalicreationism

Digitalicreationism






Replicas digitais de modelos perfeitos aprimorados continuamente a cada renderizacao de gestos e imagens e sons. Não temos mais que nos preocupar com o ensino e a repetição para a permanência do ato, o qual uma vez digitalizado basta para ser eterno. O que vale para nosso entretenimento, vale para nossos relacionamentos, mulher e marido e filhos, chefes e subordinados, parentes e agregados, clientes e empresas, advogados e réus confessos, sonegadores e fisco, eleitores e candidatos, nomeie a lista de possíveis relações e teremos um menu completo a nossa disposição, prestes a ser customizado num software de 5ª categoria que caberia num CD a venda em qualquer esquina do mundo. Free market!



Celebridades como índice de nossa vida, como guias da nossa mente, tudo pode ser feito a qualquer momento, basta rodar no aplicativo certo. Os processos de virtualização da vida cotidiana não possuem limites. Estamos no Admirável Mundo Novo em que nossas replicas, nossos avatares, nossos personagens nos substituem completamente. Podemos responder e-mails com pensamentos que não são os nossos. Podemos criar perfis tão diversos sob o mesmo nome que faríamos inveja aos heterônimos de um certo Pessoa. Podemos desligar as pessoas, libera-las do terrível fardo da vida de enfrentamento, enfim livres dos mitos e seus anátemas, enfim resolvidos os insolúveis fantasmas do inconsciente, enfim uma vida digna e acessível a todos os habitantes do planeta com acesso a banda larga. Enfim, pos- heróicos , pos- históricos , pos – justificados, somos a potencia em ato do que sempre soubemos e hesitávamos em aceitar. Somos os melhores do mundo! Melhores que todas as gerações que nos precederam. Daqui pra frente, basta relaxar e ... download!


Como jamais imaginaríamos que isso seria possível nem que houvesse eras glaciais pos – nucleares, pos – atômicas, pos- metafísicas, pos- reveladas, que o apocalipse seria apenas isso: nossas copias replicantes pela rede mundial de computadores nos ameaçando de extinção. Como? E apenas um software pirata basta para nos fazer medo de que sejamos considerados obsoletos para todo o sempre. Mass extinction. Um download de outra espécie pos- humana, que não reclama de dores e fome, que não exige direitos, não faz conspirações nem revoluções, apenas funciona. Just do it.


Paradise is here! Heaven and Hell at the same time! And no LSD is required! Just HDTV ! Just 3-D movie screens! Just a bite in the Apple! This is it! Mesmo morto, o rei do pop vende mais discos, mais downloads, mais escândalos, mais filhos apócrifos, mais clones que dançam nas ruas os seus ritmos e os seus gritos padronizados faz mais de 25 anos. Eterno retorno garantido ou o seu dinheiro de volta! Tome lactobacilos vivos e defeque regularmente! Diga mais vezes sim e elimine de vez o não da sua vida! Nada será mais como era antes, pois nunca antes nesta vida eu tivera a sensação de que poderíamos superar a morte ainda em vida. Nada de garantias post-mortem. Nada de letras miúdas no contrato. Tudo as claras e explicitas! "I'm lovin' it"!


Megastores de sonhos, feiras livres de códigos-fonte, parques de diversão 3-D, ilhas de fantasia com personagens reais dos filmes que pirateamos na internet, cosplays com direito a personalidades singulares e efeitos superficiais similares a vida real pré-digital. Seremos a parodia perfeita de nossos pais, satirizando suas crises, suas vocações políticas, suas religiosidades, suas hipocrisias agora transformadas em cânone. Tudo disponível no Amazon, tudo revelado numa busca do Google, tudo ao alcance de nossos dedos, que digitam nossas vontades e nossas incontinências mentais, nossos espasmos de racionalidade guiados pelo falo virtual do Viagra, nossas dores de cabeça mantidas sob controle pelo Celebra, nossas reflexões melancólicas minimizadas graças ao Lexotan, nossas meninas guardadas na virgindade de seus scrapbooks, nossos varões iniciados em sexo virtual pelos pais pedófilos, numa ubersexualidade que ignora idade, raça, religião e cultura. Somos o taliban dos democratas, somos a queda da Bastilha ao avesso, somos aqueles que imploram pela prisão, pelo panóptico de Bentham em nossas casas, na sala de Home Theater, na varanda com a churrasqueira no vigésimo andar, na vaga do carro na garagem do condomínio, nas câmeras de TV que revelam as formas intimas da consultora de moda que decora o hall de entrada do prédio, no projeto de playground ecológico que ensina nossos filhos a se divertir sem poluir a natureza de arvores reflorestadas do bosque artificial que cerca nossos prédios, enfim, somos os bárbaros mais desejados desde que a evolução da vida na Terra gerou bípedes. We are the world!


Somos as freiras que rezam diante de Deus e conseguem toca-lo e dizer It smells like teen spirit! Somos as mães do Kurt Cobain que agradecem pela dádiva de um filho famoso e suicida, que nos deixou cheios de grana. Somos os donos da ovelha Dolly ordenhando patentes genéticas de um rebanho doente e manso. Somos a mulher que aborta sua feminilidade em troca de um posto no headquarters entre falos de ouro. Somos as prostitutas que abrem uma grife e vestem seus clientes logo após o orgasmo, mediante contrato de compra e venda. Somos a grife da rua ao lado, que sub-emprega mães solteiras da periferia e lhes pagamos um prato de comida aos sábados e domingos ao lado das maquinas de costura colocadas clandestinamente numa casa de bairro, entre tantas outras. Somos as garotas pardas sem educação que se vestem de branco e levam pelas mãos nossos filhos para passear num shopping enquanto lemos a revista de fofocas que nos atualiza de quem podemos, enfim, ser. Somos o velho viciado em jovens, que compra tickets de futebol para xingar o juiz e bolinar com as coxas os meninos que lhe emprestam a vitalidade perdida. Somos o viciado em pedras que se justifica todas as semanas no divã e sai com frases emprestadas de Lacan e Foucault. Somos o artista decadente que faz instalações e cita Deleuze para ser aprovado numa banca acima de qualquer suspeita. Somos o pai de família que paga suas contas e sonega na sua declaração de imposto, que compra uma franquia para pagar o status que lhe foi prometido desde a escola. Somos esses maravilhosos personagens que, enfim libertos do cativeiro de pensar, apenas vivem e se reproduzem digitalmente. Somos a poeira das estrelas que produz mais maravilhas no universo, na forma de subprodutos a base de cadeias de polímeros que um dia foram, vejam só, seres pré-cambianos rastejantes e jaziam perdidos numa forma densa e liquida e escura no fundo da terra. Somos as maquinas mais perfeitas de fazer outras maquinas mais perfeitas ainda que as precedentes. Somos a evolução dizendo a si mesma: eu me basto!

domingo, outubro 25, 2009

DIGITAL DESIDERATIO (Panglossian Finance)




Podemos fazer o que queremos
Podemos querer o que fazemos
Fazemos o que queremos.

Queremos o que fazemos
Podemos fazer ou querer
Queremos poder.

Podemos
Fazemos
Queremos mais...

Façamos o que querem de nós
Possamos o que querem para todos
Queiramos o que possa ser de cada um, cada um por si.

"Vivemos no melhor dos mundos possíveis"
Tudo conforme a eficiência de sermos exatamente o que somos
Façamos que seja possível querer sempre que tudo continue como está.

Digitalmente modelamos cada gesto, cada atitude, cada fisionomia
Como num quadro da Renascença em que se ocupam geometricamente os espaços
Queira-se a possibilidade de fazer das nossas imagens a geometria exata das nossas vidas!


Cada pixel de imagem nos revela o contorno, as cores, as luzes e sombras que agora somos
Nada fica de fora dessa captatio digitalis que nos escancara a alma scaneada
Possamos ser conformes a essa perfeição que assume a nossa imagem outrora humana.

Agora melhores, sem vestigios de tristeza, melancolia, raiva ou contradição
Podemos ser a melhor imagem, feliz, que se anuncia comercialmente viavel e individual
Façamos a liturgia das formas que escolhemos para habitar a nossa redenção.

Como resistir a essa escrita do corpo que supera as impefeições da alma?
Como não aceder a essa nova aurora de perspectivas que abrigam infinitas melhores escolhas?
Como não se contagiar com essa nova cronologia que nos adia a morte?

Crises financeiras são ilusões de um mundo outrora humano, feito de esboços e pintores menores
Crises psicologicas são a escolha errada de um tipo de vida que habitava à pinceladas os museus
Crises serão lembradas nos museus da memoria outrora humana como pinturas rupestres.

Enfim podemos ocupar o lugar do "melhor mundo" com as novas imagens do novo homem
Enfim insuperáveis! Enfim sem rugas! Enfim sem ter que pagar as dívidas que contraímos!
Enfim, sorrisos largos e dentes brancos, sempre! Enfim, a "melhor idade" da espécie humana!

Enfim, nós podemos!


domingo, setembro 20, 2009

Panglossiana Digital


Finalmente, nos erguemos.

Após decadas de estagnação cultural, requentando o mesmo "sopão"
(como diria o ilustre professor de Estetica, contras as "estéticas" em particular)

Fim das vaidades, das particularidades.
Fim das explicações em profusão, dos choros e ranger de dentes.
Fim dos tempos.

O digital explode em nós como se fossemos pixels incubados para outra representação.
Que sejamos outros, em outro lugar, com outras possibilidades.
Que a arte morta do pós-guerra descanse em paz!
(como se fosse possivel descansar em paz com aqueles cogumelos de Hiroshima e Nagasaki)

Ignoramos as bombas no Japão, mas elas se desdobram em nossos poros.
Uma contaminação em massa, com as tecnologias nanodigitais concebidas pelos filhos das bombas.
Eles que carregam consigo, em seu DNA, a não-hipocrisia ocidental.

Que sejamos digitalizados em cada poro, em cada frase, em cada pensamento.
Outras obras de arte nos esperam, fora dos museus, fora dos teatros, longe da mentira civilizada.
Uma anarquia ordenada em bytes que facilmente se copia num pen drive.
(e o que será dos velhos atores e dramaturgos?)

Outras fantasmagorias, outros vocabularios, outras luzes e sombras.
Outros leonardos, giottos e albertis!
Outros renascimentos.

Um mundo velho que se abisma diante de si para ser digitalizado e encerrado.
Em cada cela um prisioneiro ainda-humano
Vestigio do que podemos ainda-ser no que ainda-somos.

E que nossos filhos não se iludam com toda a morbida erudição de um mundo que foi enterrado com aquelas duas bombas nucleares, muito antes das torres gemeas!

(D.N.A.)
Digitalmente Nascemos Amanhã

domingo, agosto 02, 2009

Futuro Digitalizado no Passado


Certa vez digitalizamos o nosso passado
Nosso DNA
Nossos antepassados
Passados a limpo, enfim.

Olhamos num telão seus gestos
Como se vivos ainda estivessem
Entre nós, agora fantasmagóricos
Como num conto de Poe, ou numa placa de Petri.

Entre mundos
Conta-se os segundos
Antes que se acabe o flashback
Final Cut. Segue o show!

Oramos ao som da voz que se foi
Cantamos seus hits
Digitalmente pensamos com nossos bites
Fragmentos de memoria que cabem num pen drive chinês.

Ao lado estão aqueles que velam por seus filhos
Herdeiros de vontades alheias
Outros videoclipes menos importantes
Outras musicas que não são as deles. Plagio de vida!

Outras farsas
Meu pai não está comigo
Nem nos shows que assistia
Quem foi meu pai?

No domingo passado era um filme
Era em casa
Era comigo
Era até familiar.

Play-rewind-stop
Volto nas cenas prediletas
Faço delas o filme inteiro
Não me interessam as cenas deletadas.

Minha tragedia foi nunca ter um pai comigo
Apenas seus traços digitais
Que minha memoria carrega
Em hieroglificos mnemonicos geneticos.

Um futuro que sempre me pertenceu
Enfim agora presente
Enfim morto, agora vivo
Na memoria residual de quem sempre esteve ausente em mim.

Nunca houve passado
Só presente, presentes
Novos estranhos tempos
Que digitalmente editamos para serem eternos.

Meu relogio corre aos solavancos
Ora passa, ora pára o tempo
Horas que não se passam comigo
Nunca comigo, sempre os outros.

Sempre foram passadas as horas
Ele e minhas horas futuras
Eu e suas horas passadas
Enfim, nos encontramos.

Olho o passado editado num telão
Talvez eu esteja lá
Ou não, minha memoria falha
Não tenho presentes comigo.

Nunca me contaram que seria assim
Jamais se passou que isso seria um presente também
Afinal, não existe a morte
Apenas uma sucessão de registros digitais deletados.

O que resta de nós nesse passado deletado?
Um futuro alternativo?
Que software nos redime?
Uma cartomante talvez me sirva por enquanto.

terça-feira, julho 14, 2009

Errare Humanum est


Tem uns dias
Que eu acordo
Pensando e querendo saber

De onde vem
O nosso impulso
De sondar o espaço

A começar pelas sombras sobre as estrelas-las-las-las
E de pensar que eram os deuses astronautas
E que se pode voar sozinho até as estrelas-las-las
Ou antes dos tempos conhecidos, conhecidos

Vieram os deuses de outras galáxias-xias-xias
Ou de um planeta de possibilidades impossíveis
E de pensar que não somos os primeiros seres terrestres
Pois nós herdamos uma herança cósmica

Errare humanum est
Errare humanum est
Errare humanum est
Errare humanum est

Nem deuses, nem astronautas
Eram os deuses astronautas

Nem deuses, nem astronautas
Eram os deuses astronautas

Dez
Nove
Oito
Sete
Seis
Cinco
Três
Dois
Um
Zero
(letra de Jorge Ben Jor, do disco Tabua de Esmeralda, 1974, quando os homens ainda eram deuses que haviam sido até astronautas, mas longe dos digitalismos e outros atavismos que nos condicionam a alquimias que não são as nossas paixões, agora reduzidos a simular em passividade contínua a falsa passionalidade de um mundo sem deuses, nem astronautas)