Vestigios da Humanidade

Este blog é um convite a reflexão sobre a humanidade, seus vestigios, numa arquelogia viva que busca encontrar o que resta ainda da raça humana, cada vez mais robotizada, dotada de uma razão instrumental e redundante, não essencial, restrita ao mero papel de espectadora do espetaculo que protagoniza.

quinta-feira, agosto 03, 2006

mediocreapatia

Deixei de escrever através dos e-mails faz um certo tempo, e pretendo me manter longe desse “covarde anonimato" que se traduz em algum codinome@algumprovedor.com.br , mas a vida segue ligeira e os pensamentos também acompanham essa hiper-velocidade. A mediocridade dos tempos pós-modernos é algo assustador. O volume de pensamentos e idéias que circulam na internet e fora dela é cada vez maior, e a baixíssima qualidade do conteúdo não se restringe aos de pouca escolaridade. Pelo contrário. O erro maior parte dos “universitários”, ou seriam “universiotários”? Pagaram caro por um ensino médio conteudista-para-vestibulares e um curso superior igualmente rasteiro, e continuam tão ou mais ignorantes do que antes. E os que passaram pelos MBAs ? Idiotas de diploma na mão e certificado de pedigree de "adultos-amestrados-para-empresas". Ovelhas para serem tosquiadas nos escritórios de multinacionais e estatais recém-privatizadas. Se resta algum senso critico e inteligência no universo adulto, fuja dessa gente.

Sinto isso na pele desde longa data, quando me questionava sobre a validade de alguns livros-texto na faculdade, sobre as falácias de discursos de eminentes acadêmicos-picaretas-consultores, sobre a arrogância de gerentes com uma cultura geral sofrível, mas com hierarquia que lhes outorga o “QI” mais alto, e por aí vai...não me admira ter toda essa confusão no palácio do planalto. Nós elegemos esse pessoal. E na vida privada também compartilhamos dessa decadência toda. Aceitamos os gerentes-meia-boca, nos submetemos aos acadêmicos-fundo-de-quintal, nos calamos diante das verdades-lidas-na-Veja-e-na-Folha-de-São-Paulo, enfim, tocamos nossa vida insensata e culpamos ao governo e à nossa herança histórica de país jovem, sempre mal tratado, sempre comandado pelos mais espertos e inescrupulosos. Mas ainda aceitamos tudo isso como inevitável. Será que estamos certos? Ou acovardados?

Um amigo meu me conta diariamente que “lá no escritório”, na multinacional onde ele trabalha, ele segue como espectador dos pensamentos medíocres que todos aceitam e usam nas suas falas. Diretores, gerentes, consultores, “os da cúpula”, com seus preconceitos e meias-verdades. Uma jovem de 25 anos, recém-formada em administração (talvez o curso superior mais picareta da face da Terra, pois forma “enganadores” profissionais, mentirosos convictos e “lobbistas” sem caráter), em uma conversa de almoço ela defendia com convicção que “gente pobre só sabe fazer filho”. A jovem aspirante a gerente ainda dizia que “se fosse eu, mandava esterilizar todas as mulheres pobres logo no segundo filho”. Bela idéia! Hitler pensou a mesma coisa na Alemanha em relação aos judeus e demais etnias não-arianas. Outras pérolas esse meu amigo me revela e eu lhe digo para sair da empresa de uma vez. Mas, ele tem os filhos e a mulher ainda se graduando...agora não dá! E assim ele vai engolindo a seco esse mar de m...mediocridade. Ele até tenta argumentar, mas aí “ se queima” perante os “amigos de escritório” , essa subespécie que mais se assemelha a répteis do que aos humanos. Rastejam em busca de migalhas de reconhecimento e status.E veneno não lhes falta para falar dos "amigos".

Ele torce para ser mandado embora da empresa. “ Assim, será mais fácil para me justificar em casa”, conta. Mas, continuar nessa “dieta indigesta” vai lhe consumir os últimos neurônios sadios que restam. A ironia dos pensamentos e o gosto amargo de engolir a seco tais situações represenatm as mesmas toxinas que lhe comprometem o sistema nervoso. Adoecer aos poucos e aos poucos aderir a essa “massa pensante de pensamentos lineares”. "Quem cala, consente". Eu lhe disse que ele padece de “mediocreapatia”. Uma patologia que atinge fundo na alma. O sujeito envelhece precocemente, fica ranzinza, com o olhar angustiado, de atitude apática, tolhido nas iniciativas, pois sabe que está nadando contra a maré. Cala-se por antecipação. E o fôlego, um dia acaba. E vai ser levado pelos anos e cabelos brancos e pensamentos outros que ninguém mais escuta. Atualmente, vale o que se pensa no Orkut, no Big Brother, nas novelas da Globo, no Fantástico e nos livros de auto-ajuda. Aliás, a jovem-candidata-a-gerente, a mesma que recomenda a esterilização em massa das jovens nas periferias, recomendou um livro para esse meu amigo: “O monge e o executivo”. Nem preciso dizer mais nada.

Para uma classe média que faz apologia da literatura do tipo “quem mexeu no meu queijo”, não resta muita alternativa a não ser lamentar a falta de perspectivas. A jovem-monge-executiva reclama ao amigo dos maus tratos sofridos com o diretor norte-americano , estúpido nos comentarios depreciativos de todos os dias, mas não percebe que lá no seu pensamento também reside espaço para a aceitação da humilhação dos latinos e mestiços, povos tão acostumados aos maus tratos e aos discursos moralistas de pastores evangélicos capitalistas, que fazem do capital a sua falsa-promessa de subida aos céus. Ela se humilha perante o patrão, e também se alegra com os elogios superficiais que ele lhe faz, logo após o assédio, e ainda faz discursos a favor de praticas discriminatórias com relação aos mais pobres e excluídos socialmente. Imaginem o que essa pessoa fará no dia em que tiver algum mínimo poder em qualquer empresa? Será zen como um “monge”, atenta a qualquer um que quiser “mexer no seu queijo”. Isso é "leadership"...como dizem nas palestras motivacionais de lavagem-cerebral-empresarial.

E o meu amigo? Bem, se ele quiser enlouquecer, que fique na empresa. Mas, se ainda lhe resta um pouco de sanidade, que se prepare para sair em breve e que nunca mais pise em escritórios novamente. Entre paredes de vidro e divisórias de metal é fácil deixar de lado a natureza humana e aderir ao pensamento rasteiro, superficial e de auto-preservação. Como diria o personagem de “John Hammond” no best-seller de Michael Crichton: “Bem vindos ao Jurassic Park”. E não existem cercas de 10.000 W para isolar os predadores nesses ambientes corporativos.

E para a “mediocreapatia”, o que prescrever? Ler as peças de Brecht seria um bom começo. Encenar algum personagem de “Um inimigo do povo”, de Ibsen, ajudaria muito. Conhecer o trabalho do professor Paulo Freire, seria algo alentador. Mas, como encontrar tempo para esses “pratos raros”, se a agenda diária do “outlook” anda repleta de reuniões idiotas, se a rotina familiar diante do DVD e dos passeios em parques de diversão segue na anestesia de sempre, alienando os sentidos e os pensamentos mais críticos. Como romper com o almoço de domingo na casa dos sogros, ou ainda os "happy-hours" com o pessoal do escritório, ou mesmo as festas de familia para se falar de futebol, política e novelas?

Entre os leitores desses meus e-mails está o meu “amigo oculto” aqui citado. Ele sabe do que penso e me permitiu compartilhar com mais pessoas sobre o seu desconforto com a vida adulta-amestrada-civilizada. “Quem sabe mais pessoas não se tocam e passem a perceber os absurdos em que vivem?”, disse-me meu amigo.

Quem sabe, um dia, deixem de se rastejar e lembrem-se de que a espécie humana anda ereta, desde que um dia resolveu descer das árvores?

Quem sabe?