Vestigios da Humanidade

Este blog é um convite a reflexão sobre a humanidade, seus vestigios, numa arquelogia viva que busca encontrar o que resta ainda da raça humana, cada vez mais robotizada, dotada de uma razão instrumental e redundante, não essencial, restrita ao mero papel de espectadora do espetaculo que protagoniza.

sábado, março 03, 2007

Eclipse Moral


Recentemente colocaram um filósofo "no paredão", como exemplo do que não deve ser dito sobre a pena de morte, sobre a barbárie de um crime hediondo praticado contra uma criança arrastada pelas ruas no furto de um carro. E fica a pergunta: "Quem é humano?". Diante da indigna-ação o filosofo se indignou e soltou o verbo. Os colegas de academia tentaram, bem timidamente, acudir em sua defesa. Os franco-atiradores na midia impressa correram como cães na busca do osso suculento. Perdemos todos, pois nos achamos humanos-o-suficiente para condenar o destempero dos academicos e preferimos contemporizar com o espetaculo da dor alheia, deixando de lado a chance de fazer a crítica urgente e necessaria ao esse modo barbaro-e-"racional" de justificar tudo e cinicamente aceitar o inaceitavel.

O filosofo não aceitou desta vez o inaceitavel. Eis uma atitude ainda-humana...destaco abaixo algumas frases de seu manifesto publicado nos jornais, onde saliento a busca dos elementos (vestigios) humanos no meio dessa insuportavel cena de barbarie que nos causa um eclipse moral, uma penumbra onde nossos sentimentos de amor e solidariedade são deixados no escuro, para sermos mantidos cativos no terror da possibilidade de não serem jamais possiveis.

Com a palavra o filosofo, em seu sofrimento ainda-humano:

“Penso --porque ainda consigo pensar, em meio a esse turbilhão de sentimentos...”

“Parecem irrecuperáveis, e seu crime é hediondo. Não vejo diferença entre eles e os nazistas...”

“É-se humano somente por se nascer com certas características? Ou a humanidade se constrói, se conquista -e também se perde?”

“Isto, que relato, põe em questão meu próprio papel como intelectual...Intelectual não é apenas quem tem uma certa cultura a mais do que alguns outros. É quem assina idéias, quem responde por elas”

“O intelectual é público. Só que, para ele cumprir seu papel público, é preciso acreditar no que diz.”

“Quantos não foram os marxistas que se calaram sobre os campos de concentração, que eles sabiam existir? Por isso, o mínimo que devo fazer, se sou instado a opinar, é dizer o que realmente penso (ou, então, calar-me).”

“Não consigo, do horror que sinto, deduzir políticas públicas, embora isso fosse desejável.”

“Se o que sinto e o que digo discordam em demasia, será preciso aproximá-los...Será preciso criticar os sentimentos pela razão --e a razão pelos sentimentos, que no fundo são o que sustenta os valores. Valores não são provados racionalmente, são gerados de outra forma”

“Dizem uns que o Brasil está como o Iraque. Parece, pior que isso, que temos algumas mini-auschwitzes espalhadas pelo território nacional.”


Após o linchamento "puritano" dos moralistas indignados com a indignaçao "não racional" do filosofo, em entrevista no Observatorio da Imprensa ele ainda se "defende" por ter demonstrado humanamente essa sua indignação (os grifos abaixo são meus):

"O que me impressiona é, primeiro, esse deslocamento das questões. Nós deveríamos estar concentrados nessa questão da dor extrema, da desumanização ou de como resolver isso. Deveríamos também tentar pensar que o mais importante é o assunto que está sendo discutido. Nós não temos essa tradição, nem na academia nem no jornalismo. Na academia, geralmente, ou concordamos, já que assim fica tudo bem, ou discordamos e vira uma briga, o que não tem que ser. Acho que não existe coisa melhor do que discordar de alguém, essa pessoa contra-argumentar, gerar um belo debate, eventualmente um mudar de idéia, ou o outro, ou os dois. Isso está fazendo falta."

Se nem um eminente filosofo pode ser indignar, quem poderia? Imaginem se Jesus, Sidarta Gautama e outros "famosos indignados" resolvessem dar as caras pelo planeta nesses dias o que não aconteceria? Seriam, na melhor das hipoteses, lideres espirituais bem sucedidos como palestrantes e vendedores de best-sellers.

A espécie humana tem se superado na mediocridade e na capacidade de desafiar a lei de evolução das espécies. Será a primeira a se condenar a extinção, pelo uso unico e exclusivo de seu livre-arbitrio.