Vestigios da Humanidade

Este blog é um convite a reflexão sobre a humanidade, seus vestigios, numa arquelogia viva que busca encontrar o que resta ainda da raça humana, cada vez mais robotizada, dotada de uma razão instrumental e redundante, não essencial, restrita ao mero papel de espectadora do espetaculo que protagoniza.

domingo, agosto 02, 2009

Futuro Digitalizado no Passado


Certa vez digitalizamos o nosso passado
Nosso DNA
Nossos antepassados
Passados a limpo, enfim.

Olhamos num telão seus gestos
Como se vivos ainda estivessem
Entre nós, agora fantasmagóricos
Como num conto de Poe, ou numa placa de Petri.

Entre mundos
Conta-se os segundos
Antes que se acabe o flashback
Final Cut. Segue o show!

Oramos ao som da voz que se foi
Cantamos seus hits
Digitalmente pensamos com nossos bites
Fragmentos de memoria que cabem num pen drive chinês.

Ao lado estão aqueles que velam por seus filhos
Herdeiros de vontades alheias
Outros videoclipes menos importantes
Outras musicas que não são as deles. Plagio de vida!

Outras farsas
Meu pai não está comigo
Nem nos shows que assistia
Quem foi meu pai?

No domingo passado era um filme
Era em casa
Era comigo
Era até familiar.

Play-rewind-stop
Volto nas cenas prediletas
Faço delas o filme inteiro
Não me interessam as cenas deletadas.

Minha tragedia foi nunca ter um pai comigo
Apenas seus traços digitais
Que minha memoria carrega
Em hieroglificos mnemonicos geneticos.

Um futuro que sempre me pertenceu
Enfim agora presente
Enfim morto, agora vivo
Na memoria residual de quem sempre esteve ausente em mim.

Nunca houve passado
Só presente, presentes
Novos estranhos tempos
Que digitalmente editamos para serem eternos.

Meu relogio corre aos solavancos
Ora passa, ora pára o tempo
Horas que não se passam comigo
Nunca comigo, sempre os outros.

Sempre foram passadas as horas
Ele e minhas horas futuras
Eu e suas horas passadas
Enfim, nos encontramos.

Olho o passado editado num telão
Talvez eu esteja lá
Ou não, minha memoria falha
Não tenho presentes comigo.

Nunca me contaram que seria assim
Jamais se passou que isso seria um presente também
Afinal, não existe a morte
Apenas uma sucessão de registros digitais deletados.

O que resta de nós nesse passado deletado?
Um futuro alternativo?
Que software nos redime?
Uma cartomante talvez me sirva por enquanto.