Vestigios da Humanidade

Este blog é um convite a reflexão sobre a humanidade, seus vestigios, numa arquelogia viva que busca encontrar o que resta ainda da raça humana, cada vez mais robotizada, dotada de uma razão instrumental e redundante, não essencial, restrita ao mero papel de espectadora do espetaculo que protagoniza.

sábado, agosto 26, 2006

Adaptação e Sobrevivencia

Cada vez mais fala-se, por qualquer motivo de comparação entre pessoas e empresas, como se pessoas fossem empresas em si mesmas, da adaptação das melhores espécies, da sobrevivência dos mais fortes, da empregabilidade dos mais competentes, do reconhecimento e sucesso dos melhores, da inteligência natural dos mais belos, da supremacia cognitiva dos que se dispuseram a condicionamentos prolongados em línguas estrangeiras ou em técnicas de solução de problemas, como físicos e matemáticos, e ainda fala-se nos privilégios que a natureza dá ao material genético de alguns em detrimento de outros, sejam insetos, sejam algas marinhas ou mesmo pessoas de diferentes etnias. Em suma, naturalizamos todos esses pré-conceitos sob o rótulo de verdades cientificas incontestáveis. E assim, rotulamos nossas vidas rumo ao sucesso, ou temerosamente caminhamos passo a passo ao fracasso solitário que nos invade quando se olha no espelho por mais de alguns segundos e pergunta-se: quem é essa pessoa do outro lado do espelho?

Pouco importa, desde que se mantenha rumo ao sucesso, certo? Sucesso é um termo que possui diversas significações, mas tem uma que considero mais adequada ao tema aqui em desenvolvimento: sucesso é um evento provável de acontecer, assim como o seu oposto, o fracasso. São variáveis boooleanas, do tipo 0 ou 1. Zero é quando não acontece o evento esperado, ou seja, fracasso. Ambos os eventos possuem probabilidades iguais de acontecer, 50% para cada um, do tipo cara ou coroa, ou homem e mulher num nascimento, ou ainda certo ou errado num teste de múltipla escolha. Apostar no sucesso de um evento qualquer é correr o risco de fracasso. Mesmo que se acredite numa distribuição de probabilidades do tipo 99 contra 1. Ambos podem acontecer. As ciências buscam essas distribuições de probabilidades em seus testes de laboratório para legitimar seus princípios, transformar seus sonhos e hipóteses em leis incontestáveis e, quem sabe até em patentes que renderão alguns milhões de royalties. Isso vale para químicas sofisticadas de grandes empresas farmacêuticas e igualmente para as leis da administração de empresas que garantem, ou ao menos prometem, o retorno aos acionistas dos recursos investidos em maquinas e pessoas - cada vez menos em pessoas. É tudo um jogo. Façam as apostas.

Apostamos em melhor adaptação ao meio, blindamos o carro, muramos as casas, colocamos vídeos e cercas eletrificadas, escolhemos a melhor igreja para freqüentar, as melhores escolas para nossos filhos, ingressamos nos melhores cursos de MBA, fazemos as melhores compras em termos de custo e beneficio, buscamos a supremacia, estar no topo, ser melhores cada vez mais, fugir ao outro evento igualmente provável: o fracasso, a frustração de nossas expectativas, cada vez mais infladas pelo nosso ego cada vez mais super-estimlulado pelas mídias, pelo cinema, pela moda, pela educação instrumental que nos torna super-competentes, pela vida comparativa-associativa que levamos nos clubes, nas empresas, nas famílias classe-media (ou seriam classe-mídia), enfim, superar os riscos desse jogo de final incerto e cada vez mais arriscado. Adaptação e sobrevivência.

Apostamos nas melhores empresas para se trabalhar, nas maiores e melhores, na qualidade de vida, na melhor carreira e na tão desejada empregabilidade (um voto voluntário de servidão que me faz pensar em sacerdócio e celibato da Idade Média, na devoção ao deus imaculado das catedrais ricas de ouro e incensadas ante a pestilência das ruas e casebres dos servos). Desejamos a servidão nas grandes empresas, aos sacerdotes-chefes-executivos, ambicionamos o bonus e o decimo-terceiro como a óstia consagrada pelo nosso sacrifício todo santo dia no holocausto de nossa autonomia e expressão individual. Como nos redime a covardia saber que estamos aceitos no seio dessa instituição sagrada chamada “trabalho assalariado”. E como nos rejubila saber que logo seremos sacerdotes do emprego, que serem empresários e empregadores, que nos beijarão as mãos os fieis súditos, os nossos empregados, esses a quem salvamos da perdição e da vida errante ao lhes assinar a carteira de trabalho e lhes outorgar o direito de serem atendidos em hospitais pagos pelo plano de saúde da empresa. Sobrevivência e adaptação.

Apostamos no enriquecimento pessoal como decorrência natural da nossa superioridade cognitiva, premio ao nosso saber-fazer competente, recompensa aos nossos naturais meios de observar e selecionar os melhores amigos, os melhores sócios e familiares. Um “darvinismo social” a que nos apegamos como a nossa bíblia sagrada, nossa palavra divina, nossos apóstolos e seus atos de fé. Ajoelhamos todos os dias diante do carro e da casa própria, lemos em oração o saldo de nossa conta bancária e louvamos a nós mesmos nos restaurantes e nas ceias de natal e ano novo. Brindamos nas santas-ceias de nossas famílias e amigos de trabalho. Lá fora jazem, no purgatório, os desempregados, essa sub-espécie que lembra a espécie humana, mas não somos nós semelhantes a esses. E jazem no merecido inferno os menos competentes, os desvalidos da ordem sacro-sócio-economica , os abortos da natureza que não podemos ter conosco, mas a quem as ONGs e as caridades corporativas atendem sob o codinome de responsabilidade social. Adaptação e adaptação.

Sobrevivemos a tantas coisas como espécie humana: ao fogo dos vulcões, aos dilúvios glaciais, aos movimentos de placas tectônicas, a epidemias de bactérias e vírus mutantes, aos bombardeios de asteróides e meteoros, aos aquecimentos e esfriamentos da calota terrestre, aos ventos solares que exorbitam a coroa solar e queimam atmosferas, a espécies animais agressivas, aos primórdios das civilizações tribais e guerreiras, aos holocaustos religiosos liderados por pessoas equivocadas na leitura dos sinais divinos e naturais, enfim, a séculos e séculos de brutalidade selvagem e natural, e ao final de toda essa jornada de sobrevivência estamos agora nos adaptando aos modos e costumes de uma espécie que surgiu como mutação de sua antecessora: os humanos-bem-sucedidos. Esses se consideram superiores aos demais e justificam através do uso da linguagem instrumental-cientifica a sua merecida boa-sorte perante os demais, acumulando casas e terrenos, riquezas em dinheiro e em títulos financeiros, em cargos e salários, em títulos acadêmicos e patentes de negócios próprios, num modo em que a indiferença que apresentam em relação aos demais humanos e as demais espécies desse planeta assume proporções globais. Estes são os que obtiveram sucesso no jogo da vida globalizada. Os demais, incluso seres humanos e demais espécies, são os que não obtiveram sucesso. Perderam a aposta, mesmo que não tenham participado no jogo. Adaptação do jogo para a sobrevivência de alguns, não de todos.

É a primeira vez na história humana em que se assume uma ética de redenção individual, feita para poucos escolhidos, que assumem discursos religiosos e científicos para justificar seus atos. Nem mesmo na segunda guerra mundial isso aconteceu, pois ambos os lados envolvidos na guerra acreditavam na expansão de seus valores e princípios para todos os demais, inclusive os vencidos. Não havia a indiferença manifestada nos dias de hoje pelos bem-sucedidos. Adaptação pela mutação. São mutantes, outros-novos-humanos, frios no calculo e de personalidade moldável conforme o ambiente em que ocupam, de fácil satisfação pessoal, com uma ética de resultados, adaptáveis ao jogo em qualquer cenário, sem restrições morais para as perdas impostas a quem qualificam como “incapazes”. São famílias-humanas-mutantes, que se satisfazem diante dos bens que consomem, sejam novos eletrodomésticos, viagens de turismo, comidas exóticas ou uma plástica que lhes devolva a jovialidade. Mutação como sobrevivência.

Sobreviveremos ao convívio com esses mutantes? Esses X-men, cuja química dos neuro-transmissores se molda cada vez mais ao ritmo de antidepressivos, redutores de apetite e cápsulas de redução do stress físico e mental? Como se adaptar a uma espécie que a tudo consome, ignorando os efeitos colaterais decorrentes desse super-consumo em relação ao meio em que habitam? Espécie que nomeia culpados e demoniza qualquer outra espécie, inclusive humanos, que ousem ameaçar sua paz de espírito, seus lares e suas casas de veraneio. Espécie que mimetiza na mídia os seus medos e as suas vontades, criando seus heróis e vilões nos cinemas e nos seriados de TV, exorcizando sua parcela de responsabilidade sob a lei do “carma” que aflige a todos os demais, que não devem ser de sua preocupação, mas sim do estado e do governo federal, esses sim, os vilões e demônios verdadeiros. O que eles poderiam fazer? E já fazem muito, não é verdade? São caridosos, são bons empregados, bons empregadores, pagam seus impostos em dia para que o Poder Publico dê conta do resto. Os demais são o “resto”. O continente africano todo, as massas de miseráveis no sudeste asiático, os desempregados do mundo ocidental e os emigrados nas periferias das grandes cidades do mundo, todos esses são “o resto”, incluindo as espécies animais e vegetais que padecem sob o efeito das ações coordenadas por essa outra espécie humana. Adaptação dos demais aos que "mutaram-se" para melhor.

Até quando iremos nos manter se adaptando a essa outra espécie de seres humanos vencedores, competentes e melhores por merecimento próprio? Até quando iremos aceitar essa nova ordem global, esse disfarce de democracia, essa indiferença crônica que se manifesta em relações cada vez mais superficiais e movidas pelo auto-interesse? Até quando nos manter passivos diante de tanta agressividade manifestada pelos mais-competentes, assertivos e líderes por natureza? Mas não é isso que se estimula nas escolas e universidades? Não é isso que se percebe nos “laços de familia” que vivemos e assistimos na TV? Adaptação de todos pela mutação de poucos.

Como confiar numa espécie nova e cada vez mais agressiva? Como não se manter em estado de alerta diante desse comportamento humano cínico e indiferente? Como não agir na direção de buscar uma natureza humana diferente, menos arrogante de suas ciências, mais fraterna e, por que não, menos competente e mais cooperativa, ciente de seus fracassos e limitações cognitivas, limitada como qualquer outra espécie viva? Nem todas as mudanças colaboram para a melhoria das espécies. Nem todas as mutações são bem sucedidas. Esse parece ser mais um caso de adaptação mal sucedida de uma espécie da Terra. Só que dessa vez essa nova espécie mutante ameaça todas as demais. Eles se julgam a elite, os eleitos, os melhores, os vencedores. E por isso mesmo não percebem o dano que causam aos demais a medida que “evoluem” nas suas vidas individualizadas. Seu sucesso amplia o fracasso do “resto”, a maioria, que sofre pela exclusão de representação perante empresas e governos, repletos de humanos-mutantes-bem-sucedidos.

Até quando isso vai se manter?

Com a palavra, os outros, o resto, os perdedores...antes que seja tarde demais...como em alguns paises africanos onde existem campos de refugiados portadores de AIDS...como em alguns paises industrializados na Ásia onde os danos causados a natureza são irrecuperáveis e as massas de habitantes rurais foram obrigadas a se refugiar nas cidades...ou ainda como em alguns centros urbanos do ocidente onde a marginalidade das populações jovens de desempregados lhes mantém sob a custodia de criminosos, também mutantes que, juntamente com governantes mutantes e ricos mutantes consumidores de drogas, não possuem o menor interesse em mudar o atual estado de direito desses excluídos.

Com a palavra, “o resto”...os seres ainda-humanos...neles reside a nossa esperança de sobrevivencia...nosso vestigio de humanidade...

quinta-feira, agosto 03, 2006

diarios de guerra...lideres...

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Não há como negar que a história humana é pontuada pelos seus lideres. E hoje em dia se faz a apologia das "lideranças". Todo mundo quer ser líder ou ser amigo de algum, para "ser amigo do rei" ou "herdar o meu lugar natural"...não sei ao certo o que isso significa para quem vive nesse mundo cada vez mais cheio de informações enganosas e vendedores de milagres a cada esquina. Olho a lista de quem me lembrei e não tenho certeza se gostaria de ficar proximo ou igual a um desses. Santos ou pecadores, vencedores ou "loosers", aclamados ou hereges, a classificação não importa. Estar em movimento com algum desses tipos, ou pretender ser como um deles é que é o negócio. Estímulos não faltam, desde a escola, passando todos os dias na TV, no futebol, no concurso de melhor aprendiz-de-feiticeiro, ou melhor-idolo-cantor, ou melhor-big-brother-sister, ou ainda apenas mais um que passou nos vestibulares da vida pelas faculdades-estagios-trainees-concursos-publicos que nos invadem até a fila do INSS na hora da aposentadoria. Liderar é o espírito. De almas vazias, certamente. De quem morreu e deixa-se invadir por nomes e conceitos e textos decorados de gurus-da-nova-era-tecno-espiritual-do-bem. De quem compra sonhos pay-per-view, quem i-poda-se-a-cada-mp3-novo, quem faz downloads de conteudos na esperança de algo novo, de novo. De quem não sabe o que a história humana tem para dizer acerca dos lideres e seus "sucessos". Nada de coletividade. Nada de agrupamentos humanos. Nada de linguagem comum a uma nação, a uma etnia ou mesmo um gueto. Nada de pessoas, no plural. Ficamos singulares, unicos, clientes "primes".

Pra que?

Ah...para ser líder...de si mesmo...
- - - -
Segue abaixo um relato de alguém que considera a liderança algo um tanto preocupante em relação ao comportamento humano. Pra não dizer que eu "não falei das flores"...e mais alguns outros também dizem algo semelhante...enquanto isso lá no Líbano...

Até!
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22 de agosto de 2001 – Revista Exame

As faces do poder
O mais renomado analista junguiano da atualidade disseca a psicologia dos negócios e diz que o drama diário das empresas, com suas lutas e desafios, vitórias e derrotas, forma o mito fundamental de nossa civilização
Cristiane Correa
Quem nunca conheceu um executivo compulsivo por controle, do tipo que quer ser informado de tudo o que acontece na empresa? Ou não teve como chefe um sujeito autoritário e inflexível, que adorava ser temido pelos subordinados? São várias as redes de poder dentro das corporações. Como são várias também as formas que esse poder assume. Considerado o mais importante analista junguiano contemporâneo, o professor americano James Hillman já publicou mais de 20 livros, traduzidos em 10 idiomas. Em Tipos de Poder (lançado no Brasil há poucos meses pela Cultura Editores e Axis Mundi), Hillman lança seu aguçado olhar analítico sobre o mundo dos negócios. Ele não apenas afirma que a economia é o único elemento comum a todas as culturas e povos de hoje como mostra as diferentes manifestações que o poder dentro das companhias pode assumir. Poder - ou, nas palavras de Hillman, o "demônio invisível que dá origem às nossas motivações e escolhas " aparece na forma de controle, prestígio, influência, carisma, liderança, autoridade, intimidação.

Aos 75 anos, casado e com quatro filhos, Hillman é uma espécie de ermitão. Evita fotos, não se comunica por e-mail e vive numa cidade isolada no estado de Connecticut, nos Estados Unidos. Por telefone, concedeu esta entrevista a EXAME. A seguir faz afirmações polêmicas - para não dizer chocantes. Para Hillman, não há poder sem solidão (e uma boa dose de psicose), conceitos como trabalho em equipe podem ser apenas um sonho e o todo-poderoso numa organização está, de alguma forma, além do humano.

O senhor diz que as mentes mais ousadas e desafiadoras hoje estão no mundo dos negócios. Por quê?
Porque os executivos têm de lidar com situações complicadas e que afetam muitas pessoas. Eles têm grande responsabilidade nos desafios que lhes são apresentados atualmente e não têm como escapar disso. Os governos podem escapar. Eles contam com a burocracia, a política. Os governantes sempre podem culpar outras pessoas.

Como o mundo dos negócios interfere no cotidiano das pessoas? O senhor diz que a economia é o único aspecto que liga diferentes povos.
A economia governa nossa vida continuamente: da comida que comemos aos produtos que compramos. Inclusive nas idéias que temos sobre o que é ter sucesso. A economia é a religião do mundo atual. Não que eu ache isso uma coisa boa, mas é um fato. O sutil efeito da economia na consciência das pessoas é o mesmo que a Igreja tinha séculos atrás. A idéia de valor, hoje está ligada a dinheiro.

Essa é a razão pela qual decidiu escrever sobre o assunto? Não é muito comum um psiquiatra se debruçar sobre o poder no mundo dos negócios.
Sim. Eu queria lançar mais consciência sobre essa questão. Não adianta simplesmente atacar o mundo dos negócios. Isso é fácil, porém não ajuda em nada. Só faz com que os homens de negócios fiquem mais duros e difíceis. É o que vimos recentemente acontecer em Gênova (na reunião da cúpula do G-8). É mais importante que os executivos se tornem mais sutis, sofisticados, psicológicos.

Como definir poder?
Não é possível ter uma única definição. É por isso que meu livro se chama Tipos de Poder. A maioria das pessoas associa poder a controle. Este é certamente um tipo de poder, mas não é o único. Mais que isso: ter controle não significa necessariamente ter poder.

Então afirmações como "dinheiro é poder" e "informação é poder" são ultrapassadas e insuficientes para explicar o poder?
Elas são muito simplistas, e qualquer coisa muito simplista é ultrapassada. Complexidade é o segredo hoje. Com o colapso do modelo de masculinidade heróica - que ainda não terminou -, com a diversidade de tecnologias, com a sofisticação do mundo financeiro, com tudo isso não é possível ter respostas simples.

Muitos executivos confundem o poder que vem do cargo que ocupam com um poder próprio. Essa é uma das distorções do poder no mundo dos negócios?
Sim. É também sinal da ignorância que essa pessoa tem em relação ao que os outros pensam dela. Esse é um tremendo enfraquecedor do seu poder. Digamos que os subalternos não gostem de um determinado vice-presidente. Então, esse sujeito pode ser um vice-presidente da porta de sua sala para dentro, mas ele não tem o poder de influenciar as pessoas ou mesmo os bens que a empresa produz. No entanto, é preciso reconhecer o poder que vem do sistema. George W. Bush, o atual presidente dos Estados Unidos, tem um grande poder porque ocupa uma determinada cadeira, apesar de, pessoalmente, ser uma criatura sem nenhuma importância.

Existe um hiato entre o tão falado empowerment e o desejo genuíno que o ser humano tem pelo poder?
É preciso refletir sobre esse "desejo de poder". O que as pessoas parecem querer nos últimos tempos é liberdade. Elas não querem ser oprimidas. O poder acabou se tornando a habilidade de resistir à opressão. Também significa ter controle sobre a própria vida: seu tempo, seu dinheiro, seus relacionamentos. Há ainda um outro elemento que tem aparecido com freqüência ultimamente. As pessoas querem se tornar celebridades. Elas querem fama, reconhecimento, admiração. Mas esse distanciamento entre a busca pela autonomia dos funcionários e o que acontece na prática realmente existe. As empresas ainda são muito hierarquizadas e têm uma cultura que dificulta o controle individual. No entanto, mesmo sem ter o controle individual, um funcionário pode ter influência. Pense em todos os reis e rainhas europeus que tinham pouco controle, mas grande influência. Nos casamentos antigos, a mulher praticamente não podia controlar nada, mas na prática influenciava muito. O que um executivo precisa é descobrir que tipo de poder ele tem, e não ficar restrito ao conceito de que poder é controle.

É possível ter uma combinação de tipos de poder?
Sim, de vez em quando aparecem pessoas que combinam autoridade, carisma e influência, por exemplo. Provavelmente Getúlio Vargas, ex-presidente do Brasil, era alguém assim.

O senhor conhece algum executivo que tenha essa combinação e que, desse modo, seja uma pessoa realmente poderosa?
Jack Welch, o ex-CEO da GE, e o magnata das comunicações Rupert Murdoch parecem reunir essas características. Mas eu não os conheço bem pessoalmente. Não sei quais são suas fraquezas. Quem os influenciou. Além disso, a medida do sucesso ainda se dá por meio de resultados econômicos. Não se levam em conta os efeitos causados ao meio ambiente ou às comunidades. A medida do sucesso para figurões como Jack Welch é simplesmente o resultado financeiro. Um valor único. Essa é uma grande distorção. Nos Estados Unidos começam a aparecer empresas que buscam o que se chama de double bottonline - lucro e responsabilidade social.

O senhor acredita que no futuro todas as empresas vão precisar adotar essa postura se quiserem sobreviver?
É o que esperamos. Mas até agora não há muitos exemplos disso. O que se vê é o capitalismo predatório. O velho "engula ou será engolido".

Por que tantos executivos são tão atraídos pelo poder? Não parece ser apenas pelo dinheiro que ele pode trazer...
Realmente, não. Para algumas pessoas, o motor dessa busca é a sensação de dominação. Para outros, o reconhecimento. Alguns dizem que os baixinhos, como Napoleão, gostam de se sentir poderosos. Há também executivos que se sentem satisfeitos ao conseguir fazer acordos, grandes manobras nas companhias em que atuam.

É possível evitar a solidão do poder?
É preciso lembrar que o poder também se manifesta pelo medo. Há livros que dizem aos executivos que eles nunca serão amados numa empresa, mas é preciso garantir que sejam temidos pelos subalternos. Isso leva ao medo. Pode levar também ao ódio. E é por isso que tantas pessoas no topo tentam ser simpáticas com seus funcionários. O problema é que isso normalmente é tão falso! Esses executivos tentam se aproximar dos subalternos por razões políticas. Eles não querem ser temidos nem querem ficar isolados.

O senhor está dizendo que essa tentat va de se aproximar dos subordinados não é uma motivaçáo genuína?
Eu acho que não. Os executivos só querem manter seus empregos e assim manter o dinheiro, a casa, o barco e todo o sistema. Eu suspeito dessa pseudo-afabilidade. Nos antigos sistemas de poder não havia contato humano. O imperador, o rei, o chefe, estavam mais conectados a Deus do que às pessoas. Isso era parte de ser uma pessoa poderosa. No nosso mundo, o chefe de uma grande empresa não entende essa concepção de que está um passo fora do "humano". O presidente da GE, da Wal-Mart ou de qualquer outra corporação que tenha dezenas de milhares de empregados acaba se tornando não-humano. Ele é o chefe de uma tribo. A Máfia entende o poder dessa forma.

Que tipo de "alucinado por poder" pode trazer mais problemas para uma empresa?
O psicopata é o mais perigoso. Geralmente é o tipo de pessoa que obtém sucesso. Tem charme, entende as necessidades dos outros. Faz o que os outros esperam que ele faça. Mas é completamente inescrupuloso. E, apesar de ter um interior oco, sua casca é reluzente. Por isso não é fácil enxergá-lo. Na verdade, para ter muito sucesso é preciso que a pessoa tenha um quê de psicopata. É preciso deixar de lado sua vida interior - ou não ter nenhuma -, estar sempre disponível, ficar de olho na próxima oportunidade, não importa a que custo. Esse tipo de comportamento acaba com a lealdade, por exemplo. Um executivo pode trabalhar na Ford por 12 anos e chegar à vice-presidência. De uma hora para outra vai parar na Chrysler e certamente trabalhará tão duro quanto antes.

Essa seria outra razão pela qual o conceito de times de trabalho pode ser ilusório?
Sim. No final das contas, você está sempre trabalhando para você mesmo. O que acontece em termos de trabalho em grupo é reunir meia dúzia de pessoas para trabalhar num único projeto. Elas vão trabalhar intensamente em conjunto, fazer suas refeições juntas e podem até se relacionar sexualmente entre si. Esse grupo vai trabalhar como louco. Mas, quando o projeto acabar, ponto final. Não fica estabelecida nenhuma lealdade.

Há algum tipo de poder que não implique subordinação?
O dicionário diz que não, mas eu acho que sim. Autoridade, influência ou carisma não carregam embutido o conceito de subordinação e são formas de poder.

Há algum aspecto do poder nas corporacões que surpreendeu o senhor?
O que surpreende mais são os enganos que governam o mundo corporativo. Se uma empresa lança uma nova pasta de dente, ela tende a acreditar em sua própria propaganda, seus funcionários acreditam que aquele produto é o melhor que existe no mercado. Isso é perturbador. Além disso, as corporaçoes acreditam que estão de alguma forma contribuindo com a sociedade. É muito difícil que os executivos olhem para as sombras provocadas por suas empresas. Só quando há uma manifestação nas ruas, como em Gênova, é que os empresários pensam que talvez exista alguma porção sombria no que eles fazem. Essa visão distorcida afeta toda a corporação e provoca o que podemos chamar de patriotismo corporativo. Essa visão gera empresas que ficam o tempo todo anunciando que são maravilhosas.

Esse patriotismo corporativo parece gerar também uma espécie de "cegueira": empresas que olham apenas para o próprio umbigo e acabam enfraquecidas. Corporacões como IBM, Motorola e Xerox já passaram ou estão passando por isso. Como evitar esse problema?
Com mais arte. Em vez de conferências e seminários sobre como construir times, formar gerentes e líderes, as empresas deveriam dar mais espaço para a arte. Assim, seus funcionários poderiam aprender a ser críticos, reflexivos e criativos. Minha recomendação é: mais cinema. mais teatro, mais poesia.

O senhor acha que isso é realmente possível ou é uma visão romântica?
Tudo é possível.

mediocreapatia

Deixei de escrever através dos e-mails faz um certo tempo, e pretendo me manter longe desse “covarde anonimato" que se traduz em algum codinome@algumprovedor.com.br , mas a vida segue ligeira e os pensamentos também acompanham essa hiper-velocidade. A mediocridade dos tempos pós-modernos é algo assustador. O volume de pensamentos e idéias que circulam na internet e fora dela é cada vez maior, e a baixíssima qualidade do conteúdo não se restringe aos de pouca escolaridade. Pelo contrário. O erro maior parte dos “universitários”, ou seriam “universiotários”? Pagaram caro por um ensino médio conteudista-para-vestibulares e um curso superior igualmente rasteiro, e continuam tão ou mais ignorantes do que antes. E os que passaram pelos MBAs ? Idiotas de diploma na mão e certificado de pedigree de "adultos-amestrados-para-empresas". Ovelhas para serem tosquiadas nos escritórios de multinacionais e estatais recém-privatizadas. Se resta algum senso critico e inteligência no universo adulto, fuja dessa gente.

Sinto isso na pele desde longa data, quando me questionava sobre a validade de alguns livros-texto na faculdade, sobre as falácias de discursos de eminentes acadêmicos-picaretas-consultores, sobre a arrogância de gerentes com uma cultura geral sofrível, mas com hierarquia que lhes outorga o “QI” mais alto, e por aí vai...não me admira ter toda essa confusão no palácio do planalto. Nós elegemos esse pessoal. E na vida privada também compartilhamos dessa decadência toda. Aceitamos os gerentes-meia-boca, nos submetemos aos acadêmicos-fundo-de-quintal, nos calamos diante das verdades-lidas-na-Veja-e-na-Folha-de-São-Paulo, enfim, tocamos nossa vida insensata e culpamos ao governo e à nossa herança histórica de país jovem, sempre mal tratado, sempre comandado pelos mais espertos e inescrupulosos. Mas ainda aceitamos tudo isso como inevitável. Será que estamos certos? Ou acovardados?

Um amigo meu me conta diariamente que “lá no escritório”, na multinacional onde ele trabalha, ele segue como espectador dos pensamentos medíocres que todos aceitam e usam nas suas falas. Diretores, gerentes, consultores, “os da cúpula”, com seus preconceitos e meias-verdades. Uma jovem de 25 anos, recém-formada em administração (talvez o curso superior mais picareta da face da Terra, pois forma “enganadores” profissionais, mentirosos convictos e “lobbistas” sem caráter), em uma conversa de almoço ela defendia com convicção que “gente pobre só sabe fazer filho”. A jovem aspirante a gerente ainda dizia que “se fosse eu, mandava esterilizar todas as mulheres pobres logo no segundo filho”. Bela idéia! Hitler pensou a mesma coisa na Alemanha em relação aos judeus e demais etnias não-arianas. Outras pérolas esse meu amigo me revela e eu lhe digo para sair da empresa de uma vez. Mas, ele tem os filhos e a mulher ainda se graduando...agora não dá! E assim ele vai engolindo a seco esse mar de m...mediocridade. Ele até tenta argumentar, mas aí “ se queima” perante os “amigos de escritório” , essa subespécie que mais se assemelha a répteis do que aos humanos. Rastejam em busca de migalhas de reconhecimento e status.E veneno não lhes falta para falar dos "amigos".

Ele torce para ser mandado embora da empresa. “ Assim, será mais fácil para me justificar em casa”, conta. Mas, continuar nessa “dieta indigesta” vai lhe consumir os últimos neurônios sadios que restam. A ironia dos pensamentos e o gosto amargo de engolir a seco tais situações represenatm as mesmas toxinas que lhe comprometem o sistema nervoso. Adoecer aos poucos e aos poucos aderir a essa “massa pensante de pensamentos lineares”. "Quem cala, consente". Eu lhe disse que ele padece de “mediocreapatia”. Uma patologia que atinge fundo na alma. O sujeito envelhece precocemente, fica ranzinza, com o olhar angustiado, de atitude apática, tolhido nas iniciativas, pois sabe que está nadando contra a maré. Cala-se por antecipação. E o fôlego, um dia acaba. E vai ser levado pelos anos e cabelos brancos e pensamentos outros que ninguém mais escuta. Atualmente, vale o que se pensa no Orkut, no Big Brother, nas novelas da Globo, no Fantástico e nos livros de auto-ajuda. Aliás, a jovem-candidata-a-gerente, a mesma que recomenda a esterilização em massa das jovens nas periferias, recomendou um livro para esse meu amigo: “O monge e o executivo”. Nem preciso dizer mais nada.

Para uma classe média que faz apologia da literatura do tipo “quem mexeu no meu queijo”, não resta muita alternativa a não ser lamentar a falta de perspectivas. A jovem-monge-executiva reclama ao amigo dos maus tratos sofridos com o diretor norte-americano , estúpido nos comentarios depreciativos de todos os dias, mas não percebe que lá no seu pensamento também reside espaço para a aceitação da humilhação dos latinos e mestiços, povos tão acostumados aos maus tratos e aos discursos moralistas de pastores evangélicos capitalistas, que fazem do capital a sua falsa-promessa de subida aos céus. Ela se humilha perante o patrão, e também se alegra com os elogios superficiais que ele lhe faz, logo após o assédio, e ainda faz discursos a favor de praticas discriminatórias com relação aos mais pobres e excluídos socialmente. Imaginem o que essa pessoa fará no dia em que tiver algum mínimo poder em qualquer empresa? Será zen como um “monge”, atenta a qualquer um que quiser “mexer no seu queijo”. Isso é "leadership"...como dizem nas palestras motivacionais de lavagem-cerebral-empresarial.

E o meu amigo? Bem, se ele quiser enlouquecer, que fique na empresa. Mas, se ainda lhe resta um pouco de sanidade, que se prepare para sair em breve e que nunca mais pise em escritórios novamente. Entre paredes de vidro e divisórias de metal é fácil deixar de lado a natureza humana e aderir ao pensamento rasteiro, superficial e de auto-preservação. Como diria o personagem de “John Hammond” no best-seller de Michael Crichton: “Bem vindos ao Jurassic Park”. E não existem cercas de 10.000 W para isolar os predadores nesses ambientes corporativos.

E para a “mediocreapatia”, o que prescrever? Ler as peças de Brecht seria um bom começo. Encenar algum personagem de “Um inimigo do povo”, de Ibsen, ajudaria muito. Conhecer o trabalho do professor Paulo Freire, seria algo alentador. Mas, como encontrar tempo para esses “pratos raros”, se a agenda diária do “outlook” anda repleta de reuniões idiotas, se a rotina familiar diante do DVD e dos passeios em parques de diversão segue na anestesia de sempre, alienando os sentidos e os pensamentos mais críticos. Como romper com o almoço de domingo na casa dos sogros, ou ainda os "happy-hours" com o pessoal do escritório, ou mesmo as festas de familia para se falar de futebol, política e novelas?

Entre os leitores desses meus e-mails está o meu “amigo oculto” aqui citado. Ele sabe do que penso e me permitiu compartilhar com mais pessoas sobre o seu desconforto com a vida adulta-amestrada-civilizada. “Quem sabe mais pessoas não se tocam e passem a perceber os absurdos em que vivem?”, disse-me meu amigo.

Quem sabe, um dia, deixem de se rastejar e lembrem-se de que a espécie humana anda ereta, desde que um dia resolveu descer das árvores?

Quem sabe?