Vestigios da Humanidade

Este blog é um convite a reflexão sobre a humanidade, seus vestigios, numa arquelogia viva que busca encontrar o que resta ainda da raça humana, cada vez mais robotizada, dotada de uma razão instrumental e redundante, não essencial, restrita ao mero papel de espectadora do espetaculo que protagoniza.

domingo, novembro 19, 2006

as coisas escritas não são o que representam

Escrevo coisas como representação de outras, não sendo estas "coisas em si mesmas", mas ainda outras, ainda a ser representadas, na busca de alguma significação última que as defina, que as liberte das amarras da tradição, dos signos convencionados, dessa paz forjada - a sangue por inúmeros séculos - e em palavras que nos acalmam a tensão que sentimos ao respirar diante dos outros que nos olham daquele modo tão bem conhecido, em julgamento, medindo-se a si mesmos através de nossas palavras, num espelhamento contínuo de medos e ansiedades coletivas que se revelam como sinal caracteristico da vida adulta desprovida de algum sentido que não seja a luta fervorosa por si mesmo, pregando no altar particular da vida em familia-trabalho-espelho-cama...não somos o que dizem de nós, nem aquilo que dizemos traduz o que de fato sentimos e pensamos. Somos outras coisas ainda a serem escritas por palavras e signos que, apesar de tão desgastados pelo uso cada vez mais banalizado da comunicação pela mídia e pelo consumo frenético de idéias, ainda nos resta buscar na raiz dos verbos, dos sujeitos e pronomes, alguma coisa essencialmente nossa e que ninguém melhor do que nós mesmos seria capaz de dizê-lo. É uma questão de sobrevivência daquilo que somos, em, oposição ao que nos ensinaram ser...

sexta-feira, novembro 03, 2006

O caos em movimento e a conservaçao da memória


Nos primeiros instantes do caos primordial que se seguiu ao violento inicio de tudo o que existe, não existia nada além de radiação entrelaçada com esboços de matéria, nada que se assemelhe ao que conhecemos atualmente como ação e reação, ordem e estrutura, calor e frio, guerra e paz. Havia apenas um movimento frenético de expansão para ocupar -e criar- todos os espaços possíveis, resultando em diversos tempos e eventos simultâneos, numa trama intrincada de fatos pouco prováveis, mas decisivos para o surgimento do que conhecemos atualmente como universo. Essas primeiras notas musicais da existência ainda se fazem ouvir nos potentes radiotelescópios construídos pelo homem no final do século XX, ou mesmo nos satélites de investigação de ruídos cósmicos em órbita da Terra. Somos literalmente filhos desse caos organizado que ainda se propaga em todas as dimensões, tempos e espaços observados.

A memória possivel desses instantes iniciais é um trauma que nos envolve a todo instante, a certeza de nossa brevidade sobre a superficie da Terra, num pequeno ponto de matéria que se resfriou durante alguns bilhões de anos em órbita de uma estrela modesta, com energia suficiente apenas para deformar o pequeno espaço em sua volta onde gravitam alguns poucos planetas e suas luas-clones agregadas. Nossa marca sobre este pequeno nódulo de energia condensada é quase imperceptivel diante desse absoluto evento ainda em movimento que se mantém percebido ao longo dos tempos. Desde a primeira célula auto-organizada para sobreviver ao meio hostil até a saida do último resultado das eleições presidenciais no Brasil, temos na memória apenas uma sequência de fatos aleatórios, redundantes, mas que insistimos em narrar como sendo uma memória essencial para explicar a existência de uma parte exclusiva dessa matéria que se forma a partir daquele caos ainda em movimento. Não admitimos nossa particular não-relevância nessa sequência de eventos essenciais, onde teimosamente nos incluimos.

Fica a ressalva de que nossa percepção - cognição? - é tardia (em alguns bilhões de anos), sujeita a distorções de toda a sorte - percebemos apenas uma fração diminuta do espectro total de radiações existentes no universo, que chamamos trivialmente de "cores primárias" - sem falar que o uso da linguagem com nossos semelhantes é cada vez mais instrumental, sem sentido, limitando nossas ações e reações a espasmos de sentimentos e pensamentos condicionados (cada vez mais) por uma indústria de imagens, sons e ilusões que nos valorizam naquilo que somos mais contingentes: nossa individualidade. Cada vez menos compreendemos a dinâmica das demais espécies vivas, limitando-nos em atos " vivos" de consumo e entretenimento - voltado para esse ente imaginado coletivamente por cada um e que chamamos por nome, sobrenome e para o qual guardamos fotos e histórias desde a infancia, o que é confirmado consistentemente por nossos pais e amigos próximos, o que torna mais crédula essa improvável memória.

Existe uma lei de conservação de energia que governa esse caos em movimento, ocupando todos os momentos e espaços possíveis, o que torna possível imaginar que somos talvez parte dessa energia que busca a si mesma através da força da gravidade, do eletromagnetismo e das forças nuclaares que governam as partículas mais elementares da matéria. Porém, mesmo admitindo nossa essencialidade nessa cosmologia narrativa de tudo o que existe, nossa memória não fica sendo senão um reflexo, uma distorção gerada pela mecânica que atua em nossa cognição humana-robotizada, onde palavras e narrativas humanas não guardam nenhuma relação significativa com os demais eventos que acontecem em simultaneidade por todos os espaços e tempos possíveis de observação. Podemos nos contentar em apenas observar por breves instantes todo esse caos em formação, com sua memória conservada na matéria e na energia que se propaga pelo espaço, em tempos próprios e muito superiores ao de nossa existência.

Querer estabelecer alguma escala de prioridade para justificar atos decorrentes da nossa particular memória humana em detrimento dessa memória viva de caos em movimento que se manifesta desde alguns bilhões de anos é um ato de absoluta ignorância de nossa verdadeira condição de existência.

Se existimos, o que nos conserva a memória individualizada é o fato de que somos parte desse caos primordial. Nossas memórias particulares tem muito pouco a dizer que não seja apenas um auto-elogio, que nada acrescenta ao todo da vida em movimento, seja em nossa rua, nosso bairro, nossa cidade, nosso país, nosso continente, nosso planeta, nosso século, nosso sistema solar, nossa galáxia, nosso universo, no conjunto de matéria e energia em movimento ao qual pertencemos.

Mas perceber-nos como parte desse movimento caótico-vivo, nem que seja por um brevíssimo instante, já é algo muito alentador. Ainda existe a possibilidade de irmos além dessa percepção errônea de que somos algo superiores "na escala evolutiva" em relação ao resto de tudo o que existe.

É nessa dimensão - mais acurada - da existência humana que se faz possível uma nova ética, mais compativel com a possível permanência da espécie humana para os próximos séculos. O caos em movimento conserva em sua memória viva o que temos a observar e a aprender para que nossa vida seja mais significativa, e menos redundante.

publicar virtual

Publicar virtual no espaço imaginário de átomos....

Nada por dizer acerca do que vivemos

Dizer o que? Fazemos avaliações prematuras, com categorias de pensamento inadequadas. Seremos julgados pelas gerações futuras devido a nossa precocidade, nossa pressa em fazer sentido para cada pequena coisa, por mais insignificante que seja. Somos a geração insignificante, perdida nesse mar de provaveis sentidos para uma vida cada vez mais mecanizada em gestos e palavras "competentes". Ficamos contingentes, redundantes, absurdos. Desnecessarios.