Vestigios da Humanidade

Este blog é um convite a reflexão sobre a humanidade, seus vestigios, numa arquelogia viva que busca encontrar o que resta ainda da raça humana, cada vez mais robotizada, dotada de uma razão instrumental e redundante, não essencial, restrita ao mero papel de espectadora do espetaculo que protagoniza.

domingo, março 25, 2007

Tudo em volta nos fala e nos emudece

Não pense no que fazer com o que sente

Sente-se como se respira,

Vive-se como se percebe as coisas

Tudo em volta nos fala e nos emudece

Então sente-se e leia

Leia-se e sinta-se...

(I)

A ordem destas coisas sentidas não substitui a ordem da vida que vivemos

Nesta vivida, tudo parece conspirar para que este nosso encontro seja nada casual

Ainda que inesperado...

Vislumbramos nosso futuro, recontamos nosso passado a cada reencontro

De presente em presente, passo a passo, girando em si mesmo, cada vez mais próximos

da iminência deste momento em que se escreve e sente-se isso que é escrito

Onde e quando nos encontramos em definitivo

Sem outros recontos possíveis, sem nada a acrescentar-nos

(II)

Os caminhos escolhidos nem sempre escolhemos

embora fiquemos com a nitida impressão destas escolhas

na mente, no coração, no ato reflexo de sentir-me e pensar-me,

jamais conforme a nossa boa educação, nossa tardia memória,

mas ao acaso das maneiras,

nas coincidências da vida, por ela presenteadas

tirando-nos o fôlego, escancarando-nos as certezas,

numa coleção de lembranças, justapostas como casas numa rua ensolarada

num fim de tarde qualquer de verão...

assim vive-se,

caindo e se levantando do chão dessa rua,

aprendendo e observando suas casas,

cuidando de não descuidar de nosso habitual lugar,

morando-se onde se cai com mais naturalidade

(III)

Ontem foi diferente, você sabe disso,

E também sabe que não é isso não.

Ontem, morreu o dia.

Hoje, começou à meia-noite.

Sem a luz que poderia lhe iluminar

sem a luz do seu caminho iluminado pelo seu próprio olhar

a sua presença ao seu caminhar

sendo você a unica evidência de que este caminho existe

e lhe é pré-determinado a cada instante que antecede os seus proximos passos

sentindo-se na impossibilidade de fugir, sem opções outras

sem outros pensamentos acolhedores,

após a sua ultima queda nessa mesma caminhada

passo após passo, cuidando de não se desesperar

por não se conseguir ir além do extremo desespero

na sua máxima potência, num ato quase nosso,

quase nomeado por nós mesmos, quase íntimo,

tão bem conhecido que até dá vontade de chamá-lo por um nome qualquer

e criar uma familiaridade que nos resgataria do completo isolamento

uma angustiante companhia que nos libertaria do inevitavel proximo passo

e, quem sabe, nos concederia um alento

num gesto supremo de generosidade

ao nos permitir imaginar que tudo isso

decorre apenas de nossa própria vontade.

sexta-feira, março 16, 2007

what I don´t know?

(I)
I just know,
what I know
But I don´t know,
what I don´t know.

(II)
What I know,
I do know.
Can I know
what I don´t know?


(III)
Do you know
what you know?
If so, let me know
what I don´t know?


(IV)
Do I say:
"it´s all OK"
when you say
"I know this´all" ?


(V)
Do you say:
"I´m OK"
if you just know
what I know?


(VI)
I may say:
"let me just know what you know of what I know..."


(VII)
terminou...no?
That´s all I can say...eu sei?
Não, não sei o que sei
only that "eu sei" means "I do know what I know"


(VIII)
Tradução? "No",
Som falado , pensamento alterado
"I know what I know", fala outra coisa por mim
que eu sei falar: "não sei saber o que não sei"
O que sei apenas é "what I know",
Como sei também que "I don´t know what I don´t know"


(IX)
Palavras não dizem nada do que sei
Apenas traduzem o que não conheço
Então, ficam desnecessárias
Quando deixo de não saber aquilo que não sabia



(X)
Agora sei?
Não sei se agora, mas sei que sei algo que antes não sabia
O antes ficou sendo nada
transfomado por tudo o que sei agora


(XI)
Deixo para depois
saber o que não sei ainda
Pois me basto com o que sei nomear
Sabendo o que sei por ora

sábado, março 03, 2007

Eclipse Moral


Recentemente colocaram um filósofo "no paredão", como exemplo do que não deve ser dito sobre a pena de morte, sobre a barbárie de um crime hediondo praticado contra uma criança arrastada pelas ruas no furto de um carro. E fica a pergunta: "Quem é humano?". Diante da indigna-ação o filosofo se indignou e soltou o verbo. Os colegas de academia tentaram, bem timidamente, acudir em sua defesa. Os franco-atiradores na midia impressa correram como cães na busca do osso suculento. Perdemos todos, pois nos achamos humanos-o-suficiente para condenar o destempero dos academicos e preferimos contemporizar com o espetaculo da dor alheia, deixando de lado a chance de fazer a crítica urgente e necessaria ao esse modo barbaro-e-"racional" de justificar tudo e cinicamente aceitar o inaceitavel.

O filosofo não aceitou desta vez o inaceitavel. Eis uma atitude ainda-humana...destaco abaixo algumas frases de seu manifesto publicado nos jornais, onde saliento a busca dos elementos (vestigios) humanos no meio dessa insuportavel cena de barbarie que nos causa um eclipse moral, uma penumbra onde nossos sentimentos de amor e solidariedade são deixados no escuro, para sermos mantidos cativos no terror da possibilidade de não serem jamais possiveis.

Com a palavra o filosofo, em seu sofrimento ainda-humano:

“Penso --porque ainda consigo pensar, em meio a esse turbilhão de sentimentos...”

“Parecem irrecuperáveis, e seu crime é hediondo. Não vejo diferença entre eles e os nazistas...”

“É-se humano somente por se nascer com certas características? Ou a humanidade se constrói, se conquista -e também se perde?”

“Isto, que relato, põe em questão meu próprio papel como intelectual...Intelectual não é apenas quem tem uma certa cultura a mais do que alguns outros. É quem assina idéias, quem responde por elas”

“O intelectual é público. Só que, para ele cumprir seu papel público, é preciso acreditar no que diz.”

“Quantos não foram os marxistas que se calaram sobre os campos de concentração, que eles sabiam existir? Por isso, o mínimo que devo fazer, se sou instado a opinar, é dizer o que realmente penso (ou, então, calar-me).”

“Não consigo, do horror que sinto, deduzir políticas públicas, embora isso fosse desejável.”

“Se o que sinto e o que digo discordam em demasia, será preciso aproximá-los...Será preciso criticar os sentimentos pela razão --e a razão pelos sentimentos, que no fundo são o que sustenta os valores. Valores não são provados racionalmente, são gerados de outra forma”

“Dizem uns que o Brasil está como o Iraque. Parece, pior que isso, que temos algumas mini-auschwitzes espalhadas pelo território nacional.”


Após o linchamento "puritano" dos moralistas indignados com a indignaçao "não racional" do filosofo, em entrevista no Observatorio da Imprensa ele ainda se "defende" por ter demonstrado humanamente essa sua indignação (os grifos abaixo são meus):

"O que me impressiona é, primeiro, esse deslocamento das questões. Nós deveríamos estar concentrados nessa questão da dor extrema, da desumanização ou de como resolver isso. Deveríamos também tentar pensar que o mais importante é o assunto que está sendo discutido. Nós não temos essa tradição, nem na academia nem no jornalismo. Na academia, geralmente, ou concordamos, já que assim fica tudo bem, ou discordamos e vira uma briga, o que não tem que ser. Acho que não existe coisa melhor do que discordar de alguém, essa pessoa contra-argumentar, gerar um belo debate, eventualmente um mudar de idéia, ou o outro, ou os dois. Isso está fazendo falta."

Se nem um eminente filosofo pode ser indignar, quem poderia? Imaginem se Jesus, Sidarta Gautama e outros "famosos indignados" resolvessem dar as caras pelo planeta nesses dias o que não aconteceria? Seriam, na melhor das hipoteses, lideres espirituais bem sucedidos como palestrantes e vendedores de best-sellers.

A espécie humana tem se superado na mediocridade e na capacidade de desafiar a lei de evolução das espécies. Será a primeira a se condenar a extinção, pelo uso unico e exclusivo de seu livre-arbitrio.