Tudo em volta nos fala e nos emudece
Sente-se como se respira,
Vive-se como se percebe as coisas
Tudo em volta nos fala e nos emudece
Então sente-se e leia
Leia-se e sinta-se...
(I)
A ordem destas coisas sentidas não substitui a ordem da vida que vivemos
Nesta vivida, tudo parece conspirar para que este nosso encontro seja nada casual
Ainda que inesperado...
Vislumbramos nosso futuro, recontamos nosso passado a cada reencontro
De presente em presente, passo a passo, girando em si mesmo, cada vez mais próximos
da iminência deste momento em que se escreve e sente-se isso que é escrito
Onde e quando nos encontramos em definitivo
Sem outros recontos possíveis, sem nada a acrescentar-nos
(II)
Os caminhos escolhidos nem sempre escolhemos
embora fiquemos com a nitida impressão destas escolhas
na mente, no coração, no ato reflexo de sentir-me e pensar-me,
jamais conforme a nossa boa educação, nossa tardia memória,
mas ao acaso das maneiras,
nas coincidências da vida, por ela presenteadas
tirando-nos o fôlego, escancarando-nos as certezas,
numa coleção de lembranças, justapostas como casas numa rua ensolarada
num fim de tarde qualquer de verão...
assim vive-se,
caindo e se levantando do chão dessa rua,
aprendendo e observando suas casas,
cuidando de não descuidar de nosso habitual lugar,
morando-se onde se cai com mais naturalidade
(III)
Ontem foi diferente, você sabe disso,
E também sabe que não é isso não.
Ontem, morreu o dia.
Hoje, começou à meia-noite.
Sem a luz que poderia lhe iluminar
sem a luz do seu caminho iluminado pelo seu próprio olhar
a sua presença ao seu caminhar
sendo você a unica evidência de que este caminho existe
e lhe é pré-determinado a cada instante que antecede os seus proximos passos
sentindo-se na impossibilidade de fugir, sem opções outras
sem outros pensamentos acolhedores,
após a sua ultima queda nessa mesma caminhada
passo após passo, cuidando de não se desesperar
por não se conseguir ir além do extremo desespero
na sua máxima potência, num ato quase nosso,
quase nomeado por nós mesmos, quase íntimo,
tão bem conhecido que até dá vontade de chamá-lo por um nome qualquer
e criar uma familiaridade que nos resgataria do completo isolamento
uma angustiante companhia que nos libertaria do inevitavel proximo passo
e, quem sabe, nos concederia um alento
num gesto supremo de generosidade
ao nos permitir imaginar que tudo isso
decorre apenas de nossa própria vontade.